O que você escolhe?
“All good?”
“Great since I knew I had a choice”
“Tudo bem?” “Tudo ótimo, desde que eu soube que tinha escolha”
Essa foi a primeiríssima interação que tive com uma pessoa no hostel em Lisboa e, não só o sorriso que acompanhou a resposta foi um dos mais sinceros que eu já vi, mas a frase me fez parar uns bons segundos sorrindo de volta.
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Escolha.
Essa palavra (e tudo o que ela carrega) é tão natural pra mim, que muitas vezes esqueço que ela não parece uma possibilidade para outras pessoas.
E aqui nem estou falando de privilégios externos que obviamente aumentam o meu leque de opções gostosas e simplificam qualquer decisão.
Estou falando da percepção profunda de que sempre, não importa o contexto, temos nas nossas mãos a escolha do que fazer com isso.
Nos momentos chatos essa certeza aparece para mim na minha frase “eu não sou obrigada a nada”, que dá espaço para a minha versão rebelde se indignar por um minuto antes de decidir como continuar. Ontem foi um exemplo maravilhoso disso e de como (sempre) a vida pode ser mágica quando decidimos olhar para ela assim:
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Eu aceitei fotografar uma festa infantil para cobrir uma amiga que não tinha a data disponível. Eu já conhecia a família do aniversário e tudo em mim estava absolutamente em paz na sexta-feira, quando peguei o trabalho.
Mas ontem? Eu estava PUTA. Acordei virada no Jiraya, num nível de tpm que há tempos não rolava, questionando a vida inteira e me perguntando por que cazzo eu tinha feito isso comigo mesma.
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Fui tomar banho desejando que a água me teletransportasse para longe de mim mesma, de tão insuportável que eu estava, mas o que recebi foi uma epifania.
Não tinha sido eu que, semanas antes, falara semi-brincando que meu sonho de trabalho é ser paga para estar em festas só para animar o lugar / levar a minha energia? Pois bem.
E se eu olhasse para esse trabalho dessa forma?
E se, ao invés de olhar para o que EU estou tendo com a situação, eu me colocasse como canal do que posso oferecer aos OUTROS? Não só no sentido literal das fotos que fui paga para tirar, mas em levar o melhor de mim, porque é um privilégio poder fazer isso.
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Lembrei da mensagem que a minha amiga fotógrafa mandou, dizendo que as mães me adoram e ficaram felizes que seria eu fotografando, e tive ainda mais certeza de eu fazia questão de estar lá por inteiro. Por escolha, não obrigação.
Até porque eu não fui obrigada a aceitar o trabalho e, verdade seja dita, não era obrigada nem a ir no dia. Claro, eu seria obrigada a lidar com as consequências de ser louca e desmarcar em cima da hora - inclusive com como isso afetaria a minha amizade - mas obrigada a IR? Não era.
E, antes que eu me desse conta, eu estava feliz da vida me arrumando para sair, genuinamente em paz, animada e fazendo meu mantra-oração que antecede todo trabalho.
Adendo de confirmação da vida: quase chegando no Buffet, o motorista do Uber que tinha passado a corrida inteira em silêncio, vira pra mim e diz: “dá pra ver no seu semblante que você é uma pessoa leve. Você tem uma energia muito boa”. Quase dei risada sozinha porque mal sabia ele as entranhas do inferno que eu estava duas horas antes.
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Acabou que o trabalho foi uma delícia e a minha sensação era de que todas as pessoas estavam especialmente gentis, felizes e amorosas - das mães & aniversariantes queridas às senhoras que trabalham no lugar e que foram tão atenciosas o tempo todo.
E antes de encerrar com um pensamento extra que me faz sorrir e ficar emocionada, te convido a se observar nas suas ações e em como você as encara.
Nada drenou tanto o meu prazer pela vida-comum, quanto a época em que eu me sentia eternamente cumprindo tarefas só por obrigação.
Sabe aqueles momentos em que tudo parece um peso, até as atividades que você teoricamente faz por prazer? Eu estava nessas.
O que me tirou disso foi justamente recalibrar esse olhar para as escolhas.
Em inglês existe uma ótima forma de expressar essa mudança: ao invés de I HAVE TO do this, I GET TO do this (de TER QUE para ter a OPORTUNIDADE DE). Eu to viva. VIVA. E tudo o que eu faço pode ser uma ode à sorte que é isso.
Mesmo as partes chatas e inevitáveis do dia a dia - elas existem porque compõe um cenário maior que eu amo ou que ainda prefiro sobre a alternativa:
Vender ativamente meus serviços me desafia e desconforta, mas eu amo trabalhar com algo que genuinamente acredito e me inspira, então é um prazer ter ESSE desconforto.
Ou até as muitas vezes que aceitei trabalhos (CLT & de forma autônoma) que eu tinha vontade de chorar antes de fazer, de tanto que desgostava, mas ainda era melhor do que estar desempregada.
Aqui eu confio no seu discernimento e inteligência para entender que não se trata de um discurso Pollyanna e “ai, seja grata por qualquer situação na sua vida. Tolere absurdos. Se contente com o mínimo.” e sim “onde você pode escolher diferente? Se não a ação em si, a forma como você a enxerga até poder transformá-la?”
Não sei você, mas eu vou sempre preferir a autorresponsabilidade à me ver vítima das circunstâncias.
Agora sim, para finalizar:
Me encanta perceber que cada ação gentil, amorosa e solicita dos outros
é uma escolha também.
Quando meus amigos me ajudaram a fazer a mudança pro meu atual apartamento, eles não tinham obrigação nenhuma.
Quando a minha amiga passou muitas, muitas horas analisando e pensando comigo a minha página de vendas, ela não tinha a menor obrigação.
Quando meu pai me leva ao aeroporto nas minhas viagens sola, ele não é obrigado.
Ou quando um carro me dá passagem mesmo que o sinal esteja aberto para ele.
Ou quando indicam o meu trabalho
ou tantas outras situações pequenas e gigantes que poderiam passar quase despercebidas no dia a dia.
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A consciência de que ninguém me deve nada torna ainda mais especial e significativo o feito.
Da mesma forma, saber que eu também não devo nada, mas ESCOLHO fazer pelo outro, me traz ainda mais felicidade. Se torna uma honra ter a possibilidade de fazer algo bom por alguém.ㅤ
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E, eterna apaixonada pela vida que sou, me dá um quentinho perceber como até em interações aparentemente automáticas do cotidiano, somos movidos por gentileza e amor.
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Te desejo uma semana de escolhas deliciosas e libertadoras
Beijos e até já
Bê
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P.S.: Esse, inclusive, é um dos grandes motivos para eu amar lidar com pessoas sinceras, firmes e diretas - e para eu deixar claro em qualquer tipo de relação que sinceridade é a máxima: Quanto mais confortável a pessoa é em colocar limites, comunicar necessidades e se priorizar, mais valor o tempo e as gentilezas dela têm para mim, porque eu sei que não partem de um lugar de necessidade de agradar, e sim de uma vontade sincera de fazer aquilo ou estar naquele lugar.
Agora pensando, o mesmo vale sobre a companhia de quem sabe ser sozinho, mas isso é papo pra outro dia…